Montanhas e memórias. Histórias de trekking
10/10/2015 blog

de Rosario D’Andrea

Tinha chegado o momento da partida, estava a sair do refúgio Bonatti, depois de ter dito adeus aos novos amigos dos dias passados. Saudei também os picos irregulares das montanhas, chegando com o olhar até à compacidade do Monte Branco, carregado da sua neve. O ar, com os seus 5 graus, ainda estava frio da noite passada, quando a noite desenhava o contorno das montanhas e as estrelas permaneciam fixas, como gotas, formando constelações. Continuei no meu caminho para prosseguir a minha peregrinação para outros destinos, deixando para trás o refúgio na direcção das árvores.

No bosque andava carregado com as minhas mochilas, usando a vara, descendo o caminho para o vale, com um desnível de trezentos metros e esforçando as pernas para não correr o risco de apoiar o pé numa pedra ou tropeçar numa raiz. Estava com algum medo de cair e rebolar encosta abaixo com a minha bagagem. Lembrei-me de que, a partir dum certo ponto, o caminho iria fazer-se mais amplo e mais plano. Estava a pensar nas minhas botas, que, dada a idade avançada de vinte anos, tinham decidido abandonar a sua actividade de caminhar.

Tinha-as comprado quando era criança, com o desejo de fazer longas excursões. No dia anterior tinha a intenção de continuar o caminho para o Monte Branco, até ao refúgio Elena, quando comecei a sentir algo de estranho no pé direito. A sola da bota estava a destacar-se, impedindo-me de continuar a um ritmo constante. Agora, o que posso fazer? – pensei. A única forma de garantir que não se destacava completamente era ligá-la com os seus cordões, dando uma volta abaixo da sola. Acompanhado por um barulho como duma tamanca, voltei ao refúgio, onde felizmente tinha outro par de sapatos.

Continuando ao longo do fundo do vale, absorto entre os abetos, pensei dar um enterro decente a essas botas que me tinham acompanhado por uma parte da minha vida. Num ponto do caminho havia uma grande rocha plana no topo. Tirei a minha mochila e olhei em volta à procura de algumas pedras suficientemente grandes para formar um círculo na superfície da rocha. Tirei do sapato a outra sola e coloquei as botas no anel de pedras que tinha acabado de construir.

Enquanto as cobria com as pedras, voltava às lembranças do nosso passado comum: as caminhadas na antiga Velia, o escorregão no rio Tusciano, a pesquisa das pinturas rupestres em Vall’Antrona, até regressar com a mente alguns anos atrás, aos 2 495 metros do Monte Aquila, de onde podia admirar o maciço de Gran Sasso, e prometi a mim mesmo que um dia subiria até ao topo.

As pedras tinham formado um túmulo. Recarregadas as mochilas para continuar até ao vale, recomecei o caminho, lançando-lhe um último olhar.

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