Dia 2. A chuva em Veneza e os telhados em Trieste
23/09/2015 blog

A primeira imagem de Veneza – algo que permanecerá gravado no meu mosaico de primeiras imagens – é a ponte de Calatrava. Descemos do autocarro e estamos imediatamente em frente desta ponte. A partir daí, o canal e as outras pontes, antigas e brancas. Aqui vamos nós.

Sempre que falo das minhas viagens digo que vi, em princípio, toda a Itália. E, em seguida, especifico logo: a não ser Veneza. Isto até à data de hoje: agora posso finalmente apoderar-me de toda a Itália. De uma maneira desajeitada e presunçosa, é claro. O melhor ainda não o vi: disto estou certo. Acho que o melhor é sempre o que há-de vir, e há lugares que não têm grandes nomes, que hoje provavelmente ainda nem considero nos meus futuros planos de viagem, mas um dia irão revelar-se em toda a sua beleza. E então irei dizer:  agora sim acabei a Itália. É um argumento um pouco devedor ao jogo de estratégia Risco, eu sei. Quando começámos a misturar-nos com o fluxo de pessoas que enchia um barco, e começámos a navegar no canal, naquele exacto momento, eu e Alessia olhámo-nos e dissemos – sem o dizer de verdade, mas entendendo-nos perfeitamente – sim, são 10 horas, e estamos em Veneza: este será um grande dia!

Cinco minutos foram suficientes para nos desenganar de todo este romance de Veneza. O barco começou a fazer uma volta larga e absurda, o céu estava nublado. 10.05: chuva. Chuva que durou todo o dia. Ok, antes de sairmos tivemos o cuidado de verificar o gás e tudo estava fechado. Mas só agora percebemos que tínhamos esquecido os impermeáveis para a chuva. Não importa: compramos dois ponchos amarelos. Sempre que vejo o meu reflexo nas montras acho que sou uma contaminação entre o Pere Ubu e um Minions escapado da Universal Pictures. A chuva torna-se cada vez mais insistente: penso em Woody Allen, que nos seus filmes anda à chuva e começa a filosofar sobre as suas histórias de amor. E  então entendo porque nos últimos tempos cada filme seu é pior do que um episódio de uma telenovela brasileira.

Veneza, com ou sem chuva, tem um encanto incomparável. Acho que enquanto ando por estas ruas, tudo o que vejo vive da mesma substância das memórias: é como se o dia de hoje fosse processado diretamente pelo meu cérebro como lembrança, mesmo no momento exacto em que o estou a viver. Ao fim da tarde apanhamos o comboio para Trieste. Trieste: Joyce, Svevo, Saba, Magris. Quando chegamos à estação há um aguaceiro e Luca – o proprietário do B&B  onde fiz uma reserva – respondendo ao telefone diz que o quarto estará pronto em cerca de uma hora. Ok, vamos até à Piazza dell’Unità! O percurso da estação até à  praça é uma geografia improvisada entre realidade e literatura. Conto a Alessia alguns passos de L’infinito viaggiare de Claudio Magris. Lembro-me de ter lido que Joyce, em algum lugar, aqui, escreveu muitas páginas dos seus livros.

Chegamos ao B&B “I tetti” cansados e molhados. Luca, o proprietário, leva-nos a um espaço criado a partir de um sótão abandonado, todo decorado com materiais reciclados e muitos livros nas paredes. Quando olhamos para fora da janela do nosso quarto, eu e Alessia pensamos que o nosso dia não poderia terminar de melhor maneira: a partir daqui é possivel ver Trieste, os telhados das outras casas, diante de nós, à distância, vê-se também o interior das habitações pelas janelas. É uma bela paisagem, em que se interligam histórias, luzes, paredes e estrelas. Não, eu fico aqui. Trieste é linda. Vista dos telhados, é magnífica.

Facebooktwittergoogle_plusmail



« »