Prémio Strega: dez pequenas resenhas e a experiência de estar no júri
26/07/2015 blog

de Alessandra Giuliana Granata

(jurada do Prémio Strega 2015)

Embora desperte sempre  descontentamento – o que é fácil de constatar lendo a necessidade que muitos têm de analisar as decisões dos juízes – o Prémio Strega, “Bruxa” em italiano, ainda mantém o seu feitiço intacto, embora se ouça de todos os lados dizer o contrário. No entanto, o objectivo da casa Bellonci, sede do prémio, parece não ser o de ganhar leitores e difundir livros de elevada qualidade, mas sim o de favorecer as grandes editoras, obrigando os leitores a “sujeitar-se” ao prémio, e mantendo assim as devidas  distâncias face ao público.

Não queremos falar do romance de Nicola Lagioia ou do delicado Chi manda le onde, vencedor do prémio Strega jovens, mas dos outros livros seleccionados para concorrer ao prémio, porque lemo-los a  todos  do ponto de vista do jurado que encarou a sua participação neste Prémio Strega com grande entusiasmo.

É preciso que o leitor saiba  que a verdadeira estrela do Prémio Strega é desde sempre , não o vencedor, mas o Corcunda de Peretola. O marcador de livros oferecido aos jurados pela casa Bellonci narra que este  pobre corcunda tinha um amigo tão disforme como ele . Um dia, viu-o voltar endireitado e curado, depois de ter dançado com as bruxas de Benevento: era o premio por ter demonstrado o seu talento na dança. Então, o corcunda decide, por sua vez, dirigir-se  também às bruxas e participar no mesmo baile do amigo, mas, por causa dos seus movimentos desajeitados, é enviado para casa com duas corcundas, a sua e, como oferta, a do seu amigo curado! No Prémio Strega – que deve o seu nome à lenda das bruxas – acontece exactamente o oposto: quem escreve com talento volta para casa curvado, enquanto o escritor sem talento nenhum vai directo para grupo dos cinco finalistas, e com uma postura que poderia despertar a inveja de uma star.

Enquanto começamos a falar dos livros excluídos, temos de confessar que, quando vimos, no fundo do nosso saco de livros, Come donna innamorata de Marco Santagata, na qualidade de apaixonados por  Dante desde a infância, não conseguimos dormir a noite inteira pela alegria e desejo de ler um romance que exaltasse o génio do “Sommo poeta” no aniversário dos seus setecentos e cinquenta anos. Já  estávamos impacientes por entrar na área reservada e dedicar os preciosos quinze minutos de tempo concedidos ao voto em Santagata! Mas naquele dia fatídico, fechado o livro, íamos pela rua com um tal desespero no rosto, que qualquer pessoa que encontrássemos se perguntaria  se alguém nos tinha feito mal . Sim, claro! Esse alguém era o professor Santagata! Porque nunca um romance foi mais humilhante – no conteúdo e no estilo – para o pai da língua italiana. A receita é simples: basta pegar no “Sommo poeta” e tirar-lhe o génio, o carácter moral, o espírito de luta, o amor por Deus e por Beatrice e o ardor político.  Ao adolescente inepto assim obtido, transformamo-lo num blasfemo falhado que passa os seus dias como vagabundo em Bolonha: e além de reduzir a capacho um monstro sagrado, temos então uma boa imitação da obra-prima de Santagata. Dante, banido, está a preparar-se para sair de Florença (descobrimos no mês dedicado à maratona literária do Strega que não é seguro que Dante estivesse em Roma) e os seus pensamentos  voltam-se para o amado Guido Cavalcanti: “Se Guido estivesse vivo – diz o Sommo inepto – teria sido também exilado!” Mas o próprio Dante – e Santagata escreve-o nas páginas seguintes, o que demonstra não estarmos em presença de uma adaptação – tinha, na qualidade de governador de Florença, banido Cavalcanti que, viria depois a morrer, no exílio e no mesmo ano!

No entanto, ao olhar descuidadamente para a bonita capa de Il genio dell’abbandono deWanda Marasco, não esperávamos que, atrás do olhar louco do Rei Lear de Vincenzo Gemito, figurado na capa, estivesse uma obra-prima que haveria de nos conquistar logo desde a primeira frase.  Um romance do qual é difícil falar, porque, por si, cada frase desta obra-prima parece um quadro, cada página está cheia de poesia pura. O poder narrativo de Wanda Marasco evoca uma Nápoles recém-conquistada pela família Savoia, que envolve totalmente o leitor com as suas cores, os seus cheiros, a história tragicómica e emocionante do grande escultor. Depois de ler o romance de Wanda Marasco, o nosso único objectivo era apenas encontrar dois livros que fossem dignos de estar a seu  lado entre os cinco finalistas. E a busca tornou-se difícil. Além do muito original Dimentica il mio nome, romance gráfico de Zerocalcare que só decepciona um pouco no clímax improvável, ou do complexo Il paese dei Coppoloni de Vinicio Capossela, talvez mais ao gosto dequem conhece bem a sua música, nenhum dos romances, nem sequer o original Final Cut de Vins Gallico, parecia digno de permanecer ao lado daquele que – temos a certeza – irá tornar-se uma das obras-primas imortais da literatura italiana.

Assim, acabámos por votar, em Il paese dei Coppoloni, que nos lembrou um pouco a estranha viagem de Tchitchicov em Almas Mortas de Gógol, e em Via Ripetta 155 da filha dos movimentos de1968 Clara Sereni, apesar de ser algo auto-celebratório. Não é o romance habitual sobre os Anos de Chumbo, Via Ripetta 155, mas a narrativa autobiográfica, com uma escrita fresca e leve, de uma jovem que se emancipou cedo, numa época intensa.

Amante dos romances longos do século XIX, tínhamos olhado com suspeita o breve XXI Secolo de Paolo Zardi, que não chega sequer a 200 páginas. No entanto, o autor conta com mestri aa crise de um casal em que a traição é descoberta por um marido enquanto a sua mulher se encontra em coma numa cama de hospital. O anti-herói protagonista desta história lida com o seu próprio drama sem a possibilidade de confrontar a mulher, incapaz de um desenlace, atravessando os estágios sucessivos de descrença, dor e frustração, mas continuando sempre a cuidar da sua amada esposa desamparada.

Se mi cerchi non ci sono de Marina Mazzei, proposto por Umberto Eco, merece uma menção por causa do quebra-cabeças curioso que se encontra no próprio título e oferece uma interpretação do romance muito interessante. No funeral de um professor, encontra-se a sua família alargada, alguns amigos e uma ex-aluna/o “eu” narrador, que, na leitura do testamento, fica a pensar que o professor – que amou durante muito tempo – não teve sequer um pensamento para ela.

Não gostámos do volume de contos do segundo classificado Mauro Covacich. Encontramos alguma nota comovedora e original no conto que abre o livro, dedicado a Pippa Bacca, mas o resto do livro não oferece, na nossa opinião, outras ideias dignas de nota.

De Elena Ferrante talvez já se tenha falado demais. Não temos a certeza de que as tramas urdidas por Roberto Saviano em  seu favor não a tenham afinal acabado por prejudicar, à semelhança do apoio manifestado pelo jurado Francesco Piccolo que, queremos evidenciar, será um dos autores da série televisiva que adaptará a tetralogia de L’amica geniale. Enfim, lidos e avaliados os livros, na noite de  10 de Junho, estávamos prontos em frente da transmissão em streaming da Casa Bellonci.

Tínhamo-nos preparado para o evento com duas tigelas depipocas, bolos variados e salada de frutas preparada estrita e obedientemente com licor Strega. Que não chegámos a comer porque nos engasgámos logo com as pipocas. Enquanto o apresentador entrevistava um por um os semifinalistas presentes, Francesco Piccolo escrutinava os votos, à maneira do  presidente de uma secção de voto numa aldeia remota de300 habitantes que se ocupa daquele evento memorável que são as eleições autárquicas. De vez em quando a voz de Piccolo atingia os nossos ouvidos horrorizados: «Genovesi, Covacich, Santagata… Genovesi ,Genovesi» com grave perigo para as nossascoronárias. Mas o nosso coração parecia ter-se recuperado quando, naquela  noite,deu 93 batidas, ouvindo pronunciar: «Marasco, Marasco…». Tinhamos recuperado a cor, esperando que esses 93 votos se tornassem rapidamente em 100… 120! Em vez disso,o destino caiu-nos em cima: tinha passado! Aquele que tínhamos apelidado, nos nossos piores pesadelos,”o quinteto negro ” tinha passado à fase final! Desligada a transmissão em directo, decepcionados e amargurados, tinhamos finalmente compreendido a razão pela qual  o Strega é o prémio em que “ganham os editores e não os escritores.”

Facebooktwittergoogle_plusmail



« »