A última tendência de Hollywood: reciclar as narrativas
08/06/2015 blog

de Annalisa Vecchio

Chamam-lhe reboot, e é a última tendência narrativa de Hollywood. Trata-se de  recontar, com a adição de novos elementos, um mito, ou melhor, um arquétipo mais ou menos enraizado na nossa imaginação. Pode-se definí-la também como a reciclagem de mitos clássicos, montados com elementos modernos. Uma mise en abyme irreverente de alta cultura e cultura de massas. São reboot Maléfica, Caminhos da Floresta, e também os últimos Homem-Aranha (mito contemporâneo que já se tornou cultura de massas), ou o televisivo Sherlock, talvez o mais bem-sucedido – e não por acaso produzido pela BBC, que, depois da grande década da ficção de qualidade nos Estados Unidos (Sopranos, Desperate housewives) feita pela HBO, e o caso atormentado de Mad Man (AMC),com poucas mas muito bem-sucedidas produções venceu em qualidade os gigantes da televisão americana. Há alguns anos ter-se-ia falado de pós-modernismo, a etiqueta dada a toda a forma de arte que expressa a crise do mundo contemporâneo: desde o urinol de Duchamp até à Transvanguarda de Bonito Oliva. Mas não seria completamente correcto, porque ao pastiche pós-moderno sempre faltou o mito para além da história, que é a novidade das novas narrativas. Reboot é o passado que volta, mas privado da história que o produziu, e adaptado ao gosto contemporâneo. Eis então Sherlock que, de acordo com a paixão científica do original de Conan Doyle, usa o GPS e a internet; enquanto a bruxa da Branca de Neve, em Maléfica, torna-se protagonista e se transforma numa dark lady, vítima das mais modernas psicoses e inseguranças. Orebootabandonou então o recurso ao passado como um sinal da crise da modernidade. Mas se em Blade Runner, um símbolo do cinema pós-moderno , tudo era projectado num futurobem definido, o ano de 2019, como acontecia também em Nova Iorque 1997, de John Carpenter, nas produções dos últimos anos a história não está presente, não está no futuro, mas é contada num passado não identificável, trans-histórico. A era vitoriana de Sherlock, como a Idade Média de Maléfica, são os grandes ausentes: em cena está  a fuga da história, aquela com H maiúsculo. Como aconteceu em Pasolini , que na  contínua busca do sagrado, metaforicamente suprimido no corpo dos seus “rapazes da vida” (Accattone, Mamma Roma, La ricotta), quer na literatura quer no cinema, rejeitou o mundo contemporâneo, refugiando-se no mito. Pasolini reescreveu assim Medeia, Jasão e Édipo para afirmar definitivamente a sua renúncia a uma relação pacífica com o seu tempo. Pasolini precursor das mais modernas técnicas de contar histórias? Talvez sim. Ou talvez não. Poderíamos, eventualmente, chegarà conclusão  de que o reboot não é se não uma forma que está na moda de redefinir a prática clássica da re-narração.

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