de Amelia Ippolito
Nas páginas do primeiro volume de Ideias, Husserl estabelece já os pontos de partida da investigação de Edith Stein, isto é, como o ego não é nem nunca pode ser impessoal, consciência sem corpo, mas sim centro sensível, o sujeito corpóreo é uma actividade móvel.
O ego destituído de corporeidade é uma pura abstracção, é apenas um exercício puro de reflexão, uma vez que a própria noção de ego para Husserl permanece inseparável da de “corpo”, que se torna assim no a priori, na realidade autenticamente transcendental e no fio condutor de Ideias I.
A confrontação com Kant, então, é inevitável, mesmo para Edith Stein, o transcendentalismo kantiano não convence os assistentes de Husserl e a intenção é fechar a brecha entre sujeito e objecto. A solução apresentada na Crítica da Razão Pura, de facto, leva-nos numa única direcção: a de modelar o sujeito sobre o objecto e o problema de Kant não é mostrar como se irá formar para nós um mundo com base na experiência que temos, mas é, em vez disso, o de indicar quais são as categorias a priori que devem ser assumidas no intelecto e aplicadas à experiência, e isso para que seja possível um conhecimento objectivo, que nunca é sequer objecto de discussão. Para Husserl e Stein, ao invés, o empirismo transfere-se para um terreno fértil onde é central a intenção de esclarecer os nossos conceitos a partir de uma descrição das formas e dos modos da experiência subjectiva.1
Além disso, o entrelaçamento entre lógica e psicologia, em Ideias I é necessário para uma abordagem à fenomenologia, pois ambas as ciências estão preocupadas com a dinâmica do pensamento, mas se a psicologia fica presa na visão natural, na condição do naturalismo, se não vai na direcção da redução eidética, está destinada então a assumir como sua condição essa atitude, tão criticada por Husserl, que pensa a própria natureza como uma unidade de espaço e tempo e é, portanto, regida pelas mesmas leis do mecanismo causal, projectando essa ideia de natureza mesmo na consciência, com a consequente naturalização desta última, que vai adoptar, assim, os pressupostos e o objectivismo do método científico (veja-se a controvérsia de Husserl e Stein contra o positivismo em Psicologia e Ciências do Espírito).
Husserl lamenta , no seu trabalho, mas também nas Investigações lógicas2, a inversão da relação entre lógica e ciências, em que as leis e as evidências da lógica não devem ser retiradas dos procedimentos analíticos realizados na base da ciência. Pelo contrário, se a lógica é correctamente compreendida, é a ela que deve ser reconduzido o conceito da ciência em geral. Então, devemos ganhar uma nova perspectiva da subjectividade operacional e do conhecimento que ilustre, sem preconceitos e teorias pré-formadas, a forma como a experiência, que é consciência, pode dar ou encontrar um objecto.
Um primeiro passo, de acordo com James, é precisamente o de libertar a análise introspectiva, típica da vida psíquica e da sua análise psicológica, da confusão entre a descrição de um objecto e a experiência que temos desse objecto. Com efeito, ao designarem os nossos pensamentos com o nome do seu objecto, muitos acreditam que os pensamentos devem reflectir os objectos correspondentes.
Desta forma, James reafirma a constatação dos valores de contexto e a temporalidade das experiências vividas, da sua pertença a um fluxo que se constitui na consciência, e se manifesta, em seguida, nos nexos que ligam uns aos outros estas mesmasexperiências vividas, tendo em conta que, para o mestre Husserl, quando falamos de experiências vividas queremos dizer memórias, percepções, fantasias; estas, por exemplo serão colocadas na categoria que Husserl chama noesis, (o cogitar), ou seja, o complexo desses actos intencionais que apontam para o objecto e a sua compreensão para entender os seus carácteres e as camadas que compõem o próprio objecto, enquanto o recordado, o percebido, o imaginado, (cogitatum) serão designados noema, isto é, o dado objectivo, o que é percebido ou imaginado na experiência e nunca deve ser confundido com o próprio objecto.
Por exemplo, a árvore que eu percepciono é o objecto, enquanto o noema é unicamente o correlato, ou seja o sentido que tem para o sujeito, em que se encontram componentes reais e irreais, estabelecendo, consequentemente, uma relação entre experiência vivida e objecto.
Na página 98, Husserl também distingue entre “adumbramento” e “adumbrado”, o primeiro é uma experiência vivida separada da figura que se manifesta, ou seja o “adumbrado”:
«Deve-se ter em mente que os dados sensíveis, que exercem a função de adumbramentos de cor, polidez, forma, etc. devem ser rigorosamente mantidos distintos da cor, da forma, da suavidade e de todos os tipos de momentos das coisas.»
Esta distinção, detectada por todos os fenomenólogos e pela própria Stein no seu escrito sobre a empatia, toma conta do conceito de re-apresentação, que nos ajuda a compreender a “não originalidade” de uma experiência vividada consciência. Na verdade, como no caso da recordação, da espera e da fantasia, o objecto não está presente em “carne e osso” e por isso é dito não original, tendo assim carácter de re-apresentação; algo semelhante acontece no acto de Einfülung (empatia), diz Stein, pois através desta re-apresentação ocorre o acolhimento do ser humano, que se manifesta numa dialéctica especial de pertença/estranheza, é semelhante a mim, mas ao mesmo tempo é diferente de mim, alter-ego; mas no acto de Einfülung, escreve Edith Stein, não haverá uma re-apresentação do meu estado de espírito, mas sim a re-apresentação de um estado de espírito alheio, assim Stein distingue, por sua vez, entre a recordação, a fantasia, e a experiência vivida inter-subjectiva que se pode experimentar no acto de Einfülung, abrindo o caminho para o encontro com a alteridade: o diferente de mim.
Nesta via dupla, Edith Stein, referindo-se à obra do mestre, Ideias I, compara a experiência vivida de Einfülung e distingue-a da memória ou da imaginação, fornecendo assim uma definição de Einfülung, empatia (um tema apenas tocado por Husserl em Ideias para uma fenomenologia pura e para uma filosofia fenomenológica e definida como enteropatia) como aquele acto e aquela experiência da vida que realmente nos liga ao mundo da vida (Leib) mencionado por Husserl, uma vez que é o acto de consciência que nos faz sair de nós mesmos e nos faz entender o que acontece na estraneidade, sem interferir nela.
Esta é a intenção básica das Ideias para uma fenomenologia pura e para uma filosofia fenomenológica de Husserl, e é por esta estrada que se desdobrou a experiência de Edith Stein, no seu caminho de fenomenologista e no seu trajecto existencial.
Textos de referência:
La fenomenologia, di Costa Vincenzo, Elio Franzini, Paolo Spinacci, ed. Piccola Bibioteca, Enaudi.
Idee per una fenomenologia pura e per una filosofia fenomenologica, di Edmund Husserl, volume I, ed. Einaudi.
Il problema dell’empatia, Edith Stein, di Elio Costantini e Erika Schulze Costantini, ed. Studium.
L’Idea della fenomenologia, Carlo Sini, Laterza, 1997.
1 Husserl, Ideias para uma Fenomenologia Pura e para uma Filosofia Fenomenológica, Introdução.
2 Husserl, L’idea della fenomenologia, Carlo Sini, Roma, Laterza, 1997.
A mio avviso la novità ‘ piu’ bella del pensiero di Husse r l (che poi credo sia anche l’affermazione chiave della corrente fenomenologica) sta nel ritenere che la realta’ e’ solo uno dei TANTI modi tramite cui soggetto e oggetto entrano in relazione. Husse r l in questo modo mette sullo stesso piano la realta’, la fantasia , il ricordo, l’immaginazione. ..un evento immaginato con gioia o con dolore, con speranza o con paura, acquista esattamente li stesso valore di un evento vissuto. Io ci vedo (ovviamente non era intenzione di Husserl) una difesa dell’attività di poeta o di scrittore di romanzi…pensiamo ci bene quando siamo immersi nella lettura di un libro o di una poesia che amiamo che importa se la poesia o il racconto sia semplicemente il frutto della fantasia del poeta o dello scrittore? Noi viviamo con loro le emozioni che ci trasmettono anzi ci sentiamo molto più vivi, molto più propensi a credere che la nostra delicata esistenza abbia un senso piuttosto che quando abbiamo a che fare con la realtà che a volte coi suoi eventi dolorosi o deludenti può farci perdere quella che io chiamo “motivazione emozionale”. E allora vorremmo ringraziare di persona quel poeta o quello scrittore che ci ha aperto seppure per un breve spazio temporale una piccola finestra da cui scorgere il sole.
Correggo al terzo rigo “la realta sia” non “la realta e'”