História da Fenomenologia. De Edmund Husserl a Edith Stein (Parte 2)
09/09/2015 blog

de Amelia Ippolito

Nas páginas do primeiro volume de Ideias, Husserl estabelece já os pontos de partida da investigação de Edith Stein, isto é, como o ego não é nem nunca pode ser impessoal, consciência sem corpo, mas sim centro sensível, o sujeito corpóreo é uma actividade móvel.

O ego destituído de corporeidade é uma pura abstracção, é apenas um exercício puro de reflexão, uma vez que a própria noção de ego para Husserl permanece inseparável da de “corpo”, que se torna assim no a priori, na realidade autenticamente transcendental e no fio condutor de Ideias I.

A confrontação com Kant, então, é inevitável, mesmo para Edith Stein, o transcendentalismo kantiano não convence os assistentes de Husserl e a intenção é fechar a brecha entre sujeito e objecto. A solução apresentada na Crítica da Razão Pura, de facto, leva-nos numa única direcção: a de modelar o sujeito sobre o objecto e o problema de Kant não é mostrar como se irá formar para nós um mundo com base na experiência que temos, mas é, em vez disso, o de indicar quais são as categorias a priori que devem ser assumidas no intelecto e aplicadas à experiência, e isso para que seja possível um conhecimento objectivo, que nunca é sequer objecto de discussão. Para Husserl e Stein, ao invés, o empirismo transfere-se para um terreno fértil onde é central a intenção de esclarecer os nossos conceitos a partir de uma descrição das formas e dos modos da experiência subjectiva.1

Além disso, o entrelaçamento entre lógica e psicologia, em Ideias I é necessário para uma abordagem à fenomenologia, pois ambas as ciências estão preocupadas com a dinâmica do pensamento, mas se a psicologia fica presa na visão natural, na condição do naturalismo, se não vai na direcção da redução eidética, está destinada então a assumir como sua condição essa atitude, tão criticada por Husserl, que pensa a própria natureza como uma unidade de espaço e tempo e é, portanto, regida pelas mesmas leis do mecanismo causal, projectando essa ideia de natureza mesmo na consciência, com a consequente naturalização desta última, que vai adoptar, assim, os pressupostos e o objectivismo do método científico (veja-se a controvérsia de Husserl e Stein contra o positivismo em Psicologia e Ciências do Espírito).

Husserl lamenta , no seu trabalho, mas também nas Investigações lógicas2, a inversão da relação entre lógica e ciências, em que as leis e as evidências da lógica não devem ser retiradas dos procedimentos analíticos realizados na base da ciência. Pelo contrário, se a lógica é correctamente compreendida, é a ela que deve ser reconduzido o conceito da ciência em geral. Então, devemos ganhar uma nova perspectiva da subjectividade operacional e do conhecimento que ilustre, sem preconceitos e teorias pré-formadas, a forma como a experiência, que é consciência, pode dar ou encontrar um objecto.

Um primeiro passo, de acordo com James, é precisamente o de libertar a análise introspectiva, típica da vida psíquica e da sua análise psicológica, da confusão entre a descrição de um objecto e a experiência que temos desse objecto. Com efeito, ao designarem os nossos pensamentos com o nome do seu objecto, muitos acreditam que os pensamentos devem reflectir os objectos correspondentes.

Desta forma, James reafirma a constatação dos valores de contexto e a temporalidade das experiências vividas, da sua pertença a um fluxo que se constitui na consciência, e se manifesta, em seguida, nos nexos que ligam uns aos outros estas mesmasexperiências vividas, tendo em conta que, para o mestre Husserl, quando falamos de experiências vividas queremos dizer memórias, percepções, fantasias; estas, por exemplo serão colocadas na categoria que Husserl chama noesis, (o cogitar), ou seja, o complexo desses actos intencionais que apontam para o objecto e a sua compreensão para entender os seus carácteres e as camadas que compõem o próprio objecto, enquanto o recordado, o percebido, o imaginado, (cogitatum) serão designados noema, isto é, o dado objectivo, o que é percebido ou imaginado na experiência e nunca deve ser confundido com o próprio objecto.

Por exemplo, a árvore que eu percepciono é o objecto, enquanto o noema é unicamente o correlato, ou seja o sentido que tem para o sujeito, em que se encontram componentes reais e irreais, estabelecendo, consequentemente, uma relação entre experiência vivida e objecto.

Na página 98, Husserl também distingue entreadumbramento” eadumbrado”, o primeiro é uma experiência vivida separada da figura que se manifesta, ou seja o “adumbrado”:

«Deve-se ter em mente que os dados sensíveis, que exercem a função de adumbramentos de cor, polidez, forma, etc. devem ser rigorosamente mantidos distintos da cor, da forma, da suavidade e de todos os tipos de momentos das coisas.»

Esta distinção, detectada por todos os fenomenólogos e pela própria Stein no seu escrito sobre a empatia, toma conta do conceito de re-apresentação, que nos ajuda a compreender a “não originalidade” de uma experiência vividada consciência. Na verdade, como no caso da recordação, da espera e da fantasia, o objecto não está presente em “carne e osso” e por isso é dito não original, tendo assim carácter de re-apresentação; algo semelhante acontece no acto de Einfülung (empatia), diz Stein, pois através desta re-apresentação ocorre o acolhimento do ser humano, que se manifesta numa dialéctica especial de pertença/estranheza, é semelhante a mim, mas ao mesmo tempo é diferente de mim, alter-ego; mas no acto de Einfülung, escreve Edith Stein, não haverá uma re-apresentação do meu estado de espírito, mas sim a re-apresentação de um estado de espírito alheio, assim Stein distingue, por sua vez, entre a recordação, a fantasia, e a experiência vivida inter-subjectiva que se pode experimentar no acto de Einfülung, abrindo o caminho para o encontro com a alteridade: o diferente de mim.

Nesta via dupla, Edith Stein, referindo-se à obra do mestre, Ideias I, compara a experiência vivida de Einfülung e distingue-a da memória ou da imaginação, fornecendo assim uma definição de Einfülung, empatia (um tema apenas tocado por Husserl em Ideias para uma fenomenologia pura e para uma filosofia fenomenológica e definida como enteropatia) como aquele acto e aquela experiência da vida que realmente nos liga ao mundo da vida (Leib) mencionado por Husserl, uma vez que é o acto de consciência que nos faz sair de nós mesmos e nos faz entender o que acontece na estraneidade, sem interferir nela.

Esta é a intenção básica das Ideias para uma fenomenologia pura e para uma filosofia fenomenológica de Husserl, e é por esta estrada que se desdobrou a experiência de Edith Stein, no seu caminho de fenomenologista e no seu trajecto existencial.

Textos de referência:

La fenomenologia, di Costa Vincenzo, Elio Franzini, Paolo Spinacci, ed. Piccola Bibioteca, Enaudi.

Idee per una fenomenologia pura e per una filosofia fenomenologica, di Edmund Husserl, volume I, ed. Einaudi.

Il problema dell’empatia, Edith Stein, di Elio Costantini e Erika Schulze Costantini, ed. Studium.

L’Idea della fenomenologia, Carlo Sini, Laterza, 1997.

1 Husserl, Ideias para uma Fenomenologia Pura e para uma Filosofia Fenomenológica, Introdução.

2 Husserl, L’idea della fenomenologia, Carlo Sini, Roma, Laterza, 1997.

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Comment da Maria Pirozzi - 09 09UTC setembro 09UTC 2015 alle 16:59 04Wed, 09 Sep 2015 16:59:17 +000017.

A mio avviso la novità ‘ piu’ bella del pensiero di Husse r l (che poi credo sia anche l’affermazione chiave della corrente fenomenologica) sta nel ritenere che la realta’ e’ solo uno dei TANTI modi tramite cui soggetto e oggetto entrano in relazione. Husse r l in questo modo mette sullo stesso piano la realta’, la fantasia , il ricordo, l’immaginazione. ..un evento immaginato con gioia o con dolore, con speranza o con paura, acquista esattamente li stesso valore di un evento vissuto. Io ci vedo (ovviamente non era intenzione di Husserl) una difesa dell’attività di poeta o di scrittore di romanzi…pensiamo ci bene quando siamo immersi nella lettura di un libro o di una poesia che amiamo che importa se la poesia o il racconto sia semplicemente il frutto della fantasia del poeta o dello scrittore? Noi viviamo con loro le emozioni che ci trasmettono anzi ci sentiamo molto più vivi, molto più propensi a credere che la nostra delicata esistenza abbia un senso piuttosto che quando abbiamo a che fare con la realtà che a volte coi suoi eventi dolorosi o deludenti può farci perdere quella che io chiamo “motivazione emozionale”. E allora vorremmo ringraziare di persona quel poeta o quello scrittore che ci ha aperto seppure per un breve spazio temporale una piccola finestra da cui scorgere il sole.

Comment da Maria Pirozzi - 09 09UTC setembro 09UTC 2015 alle 17:01 05Wed, 09 Sep 2015 17:01:15 +000015.

Correggo al terzo rigo “la realta sia” non “la realta e'”