Georges Bernanos, o profeta da Graça
18/09/2015 blog

de Alessandra Giuliana Granata

Enquanto a secularização ia dominando os céus do século XX, a voz do escritor francês Georges Bernanos levantava-se para defender o poder do Espírito. É um encontro falhado, aquele entre o maior expoente do existencialismo católico e o seu tempo. Incapaz de recolher uma mensagem pouco “moderna” como a do Evangelho, o século XX jamais teria entendido a religiosidade intransigente de Bernanos. João Maria Batista Vianney, sacerdote rude e ignorante que será o santo Cura de Ars, é a grande figura de referência do escritor, juntamente com Santa Teresinha do Menino Jesus. São eles os modelos dos inesquecíveis Abade Donissan de Sob o Sol de Satanás (1926) e do jovem sacerdote sem nome de Diário de um Pároco de Aldeia (1936). Pastores de pequenas comunidades rurais, Donissan e o Cura levantam os seus olhares aparentemente impotentes sobre os telhados das casas de cor ocre das suas aldeias, conquistadas pela indiferença e pelo tédio.

Bem e Mal têm de chegar a um equilíbrio

Em Sob o Sol de Satanás, a primeira obra de Bernanos, o poder da graça é mais poderoso do que qualquer inclinação humana.

Um noviço rude, desajeitado e pouco inclinado a estudar, tenta por todos os meios tornar-se sacerdote. Por causa das dificuldades que o rapaz encontra na aprendizagem, os superiores tentam dissuadi-lo das suas intenções. Mas Deus já tinha decidido por ele e Donissan torna-se o inquieto Santo de Lumbres. A sua vida, guiada pela Graça, é perturbada pela acção destrutiva do demónio. Convencido de que precisa de eliminar o mal da paróquia por todo e qualquer meio, o Abade Donissan dedica-se febrilmente à sua missão. Da mesma forma que a candeia da parábola evangélica, é colocado “em cima do castiçal para iluminar os que estão na casa.” Com os mesmos modelos, mas oposta a ele, a figura do Diário do Pároco de Aldeia permanecerá, no entanto, na sombra. Na sua vida, a ação da Graça é inescrutável. Agricultor pobre, alcoólico por tara familiar, vive uma dificuldade pessoal que o separa dos paroquianos da pequena cidade de Ambricourt. O sacerdote toma sobre si, com amor e paciência sobre-humana, a Paixão de Cristo, sem criar suspeitas e sem nenhum acto de heroísmo. Enquanto só consegue alimentar-se de hóstias mergulhadas em vinho, torna-se hostil às pessoas de fé apagada da sua pequena paróquia. Embora o seu testemunho silencioso possa parecer inferior ao fervor de Donissan, ao Pároco de Aldeia será confiada a essência poética de Bernanos. No momento em que terá uma noção clara da existência e pronunciará a sentença que fecha a parábola sua e de qualquer outro homem: “O que importa? Tudo é graça!”

O inferno concebido como perda da capacidade de amar

São personagens tímidos, resignados, doentios, os heróis de Bernanos. Tristemente separados do mundo em redor deles, mas sempre envolvidos numa luta heróica contra o mal. Na obra de Bernanos, o diabo manifesta-se de forma tangível, sancionando, aparentemente, a ausência de Deus da História. Mas aquele Deus que parece longe do mundo governado por Satanás, realmente luta ao lado do homem interior na sua infinita solidão. Donissan encontra o Mal face a face. Numa noite particularmente escura, perde-se no campo lúgubre e tem o primeiro e terrível confronto com o sopro de Satanás. Acreditará, logo depois, reencontrá-lo na jovem Germaine “Mouchette” Marothy que acabou de cometer um crime e optou por uma vida sem Deus. O seu espírito de profecia revela-lhe o terrível segredo de Mouchette. Ao tentar extirpar o mal dela, não irá perceber que o diabo, por vezes, não age externamente, mas ataca o homem na sua própria alma.

O choque entre Donissan e o Diabo é um obstáculo para o encontro entre Donissan e Mouchette, carrasco, talvez, mas também vítima de uma época incapaz de protegê-la. No entanto, este falhanço irá abrir ao abade as portas da santidade, multiplicando os confrontos com Satanás. Mais humilde, mas ainda mais pungente, a figura do Pároco de Aldeia. Na sua comunidade, o diabo toma a forma mais subtil e perigosa do morno. Os mornos serão vomitados da boca de Lúcifer. Esta certeza não parece, no entanto, provocar o mínimo desconforto aos moradores de Ambricourt. Chocado com a indiferença selvagem dos seus paroquianos, vítima de uma doença que o consome pouco a pouco, o cura confia o seu sofrimento a um diário. O seu único amigo é o velho sacerdote de Torcy, que procura dar-lhe sermões baseados no Evangelho. Na cegueira do seu discurso sensato, o padre de Torcy fecha-se ao encontro com a santidade, que, aninhada no jovem sacerdote, nem sequer suspeita de si própria. O Cura d’Ambricourt é, no seu heroísmo inconsciente, como que a encarnação de Cristo do coração puro mais famoso da literatura mundial, O Idiota de Dostoiévski. O príncipe Míchkin, apesar da sua inegável sinceridade, sucumbe aos eventos sem conseguir recuperar. Mas ceder ao mal não está na natureza dos puros de coração, porque – diz Jesus – eles vêem a Deus constantemente. O mesmo Donissan, por causa da pureza do seu coração, conseguirá olhar, como um último acto de desafio, na cara do diabo e gritar: «Queres a minha paz? Vem buscá-la !».

*Ilustração de Olivier Balez.

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